Por dra. Michele Rodrigues, neuropsicopedagoga
O uso de tecnologias e o tempo de exposição às telas por crianças, especialmente aquelas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), tem gerado debates entre famílias, educadores e profissionais da saúde. Em contextos educacionais e terapêuticos, é comum a dúvida: a tecnologia representa um risco ou uma oportunidade?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece recomendações claras sobre o tempo de tela para crianças de zero a cinco anos. Segundo o documento publicado em 2019, crianças menores de dois anos não devem ser expostas a telas digitais, e crianças entre dois e cinco anos não devem ultrapassar uma hora por dia de exposição passiva, como assistir a vídeos ou utilizar jogos digitais sem interação ativa. Já para crianças de 6 a 10 anos, o limite recomendado é de 2 horas por dia. Essas orientações se aplicam de forma geral, inclusive para crianças com TEA, embora adaptações possam ser necessárias com base nas demandas individuais.
Em crianças com TEA, o uso de tecnologias digitais pode ser uma ferramenta de mediação importante no processo de aprendizagem, comunicação e regulação emocional. Aplicativos interativos, recursos de comunicação alternativa e aumentativa (CAA), vídeos educativos e softwares personalizados são utilizados em contextos terapêuticos e escolares como suporte à autonomia e à expressão. No entanto, para que essa utilização seja benéfica, é necessário planejamento, supervisão e finalidade clara.
Sendo assim, a exposição prolongada e desregulada a telas pode acentuar comportamentos de isolamento, alterar padrões de sono, reduzir o engajamento em interações sociais e limitar experiências sensório-motoras fundamentais para o desenvolvimento infantil. Em crianças com TEA, que já apresentam desafios na comunicação social, o risco é ainda mais significativo quando o uso não é mediado por adultos ou não está integrado a objetivos terapêuticos, ou educacionais.
Para tanto, é fundamental diferenciar o uso passivo (como assistir vídeos de forma repetitiva) do uso interativo e intencional (como jogos educativos mediados por adultos ou softwares de CAA). Assim, a mediação feita por cuidadores ou educadores é o que define se a tecnologia atua como ferramenta de desenvolvimento ou como um fator de risco.
Portanto, a recomendação é que as famílias estabeleçam rotinas com horários definidos para o uso das telas, intercalando com atividades físicas, interações sociais e brincadeiras presenciais. A escolha dos conteúdos e a participação ativa de um adulto são aspectos essenciais para a qualidade da experiência.
Tecnologia e telas não são, por si, vilãs ou aliadas, pois a contribuição depende do contexto, da forma de uso e da intencionalidade pedagógica ou terapêutica. Em crianças com TEA, o uso adequado pode ampliar possibilidades de comunicação e aprendizagem, desde que respeite os limites estabelecidos pelas evidências científicas e esteja articulado a práticas supervisionadas.