Por dra Michele Rodrigues, neuropsicopedagoga
Este artigo propõe uma reflexão sobre a importância de enxergar o desenvolvimento infantil além do TEA. Embora o diagnóstico seja essencial para garantir direitos e acesso a terapias, ele não define quem a criança é nem limita seu futuro. O texto aborda a relevância da funcionalidade, o papel da escola, a prática pedagógica inclusiva e a construção de redes de apoio que valorizam cada criança em sua singularidade.
O diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) representa, para muitas famílias, um marco importante. Com ele surgem dúvidas, receios e incertezas sobre o futuro. No entanto, é fundamental compreender que o laudo não resume a totalidade da criança. É preciso enxergar o desenvolvimento infantil além do TEA, valorizando sua história, afetos, habilidades e potencialidades.
O diagnóstico é apenas um ponto de partida
O diagnóstico de TEA é construído com base em critérios clínicos que descrevem padrões de comportamento e comunicação. Ele cumpre um papel essencial ao direcionar para terapias adequadas, garantir acesso a benefícios e reconhecer necessidades específicas.
O diagnóstico precoce do autismo é um exemplo de como esse processo pode trazer grandes avanços para a criança, mas é importante lembrar que ele não determina sozinho o futuro. Quem molda esse futuro são as experiências, estímulos e vínculos que a criança vivencia ao longo do tempo.
Olhar além do TEA significa compreender que cada criança é única, com modos próprios de aprender e interagir. O diagnóstico é apenas o início de uma trajetória que precisa ser construída com apoio contínuo.
A importância da funcionalidade no desenvolvimento
O que é funcionalidade?
A Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), define funcionalidade como a forma como o indivíduo realiza atividades do dia a dia, interage, se comunica e exerce sua autonomia. No contexto do TEA, a funcionalidade ajuda a compreender:
- Como a criança se comunica: verbalmente, por gestos ou imagens
- Quais são suas formas de interação com adultos e pares
- Como regula emoções e comportamentos em diferentes ambientes
- Quais tarefas já realiza sozinha e em quais precisa de apoio
Essas observações oferecem informações valiosas para o planejamento pedagógico e terapêutico, muito mais do que apenas o nível em que a criança se encontra no espectro.
Dificuldades relacionadas à sensibilidade sensorial, por exemplo, são comuns e precisam ser levadas em conta. A integração sensorial no autismo mostra como essas percepções impactam a rotina e como podem ser trabalhadas para melhorar a autonomia.
Planejamento pedagógico além do laudo
Na escola, muitas vezes o laudo médico acaba direcionando práticas de forma genérica. Um planejamento pedagógico eficaz, no entanto, deve se basear na observação contínua da criança, nos registros de sua evolução e no diálogo entre família e profissionais de saúde.
Trabalhar a partir da funcionalidade permite estabelecer metas realistas e significativas. Isso envolve adaptações curriculares, recursos visuais, reorganização do espaço, além de estratégias que partam das conquistas já alcançadas.
Mais do que seguir prescrições, educadores podem adotar práticas pedagógicas inclusivas que respeitam o ritmo individual de cada aluno.
Educação inclusiva que olha além do TEA
O papel do professor
Ao adotar uma prática pedagógica centrada na funcionalidade, o professor deixa de tentar ajustar a criança ao conteúdo e passa a adaptar o conteúdo à criança. Esse olhar promove inclusão real, respeitando singularidades e estimulando autonomia.
Questões como ecolalia ou rigidez cognitiva não devem ser vistas apenas como dificuldades, mas como pontos de atenção que podem orientar novas estratégias de ensino.
O impacto para o desenvolvimento infantil
Quando a escola enxerga a criança além do TEA, observa não apenas suas dificuldades, mas também seus interesses, curiosidades e conquistas. Isso fortalece vínculos, amplia possibilidades de aprendizagem e constrói um ambiente de pertencimento.
Desafios como a rigidez cognitiva podem ser superados com flexibilidade pedagógica e valorização das conquistas, por menores que pareçam.
Construindo redes de apoio além do diagnóstico
A inclusão verdadeira acontece quando deixamos de enxergar rótulos e passamos a enxergar pessoas. Valorizar a funcionalidade e a singularidade da criança significa garantir que família, escola e profissionais de saúde estejam alinhados para promover o desenvolvimento integral.
O TEA faz parte da criança, mas não define quem ela é. A educação e o cuidado que reconhecem essa integralidade são aqueles que realmente transformam trajetórias.